52º Capítulo - A verdade sobre Urik Curtis

Existem momentos em nossas vidas em que tudo, absolutamente tudo parece passar como um filme em câmera lenta diante dos nossos olhos, e eu assisti a longa reprise do meu filme com os olhos bem abertos.
enquanto o homem que amei por mais de uma década estava sentado a minha frente, encarando sem preocupação a vista de sua janela, ao passo em que eu sentia o mundo em nossa volta começar a ruir.


Inconformada, indaguei:
- Por que você fez isso, Urik? Eu ia contar pra ele, nunca escondi nada do Janson, não seria diferente desta vez.
Ao desviar os olhos do seu foco, Urik respondeu a minha pergunta rapidamente, talvez porque já soubesse que eu o questionaria:
- Você não deve explicação alguma ao Bencini, Elladora... Ele é quem deve se explicar; Na noite dos justos, só vai se livrar quem não tiver pecado.


- Não somos perfeitos, sei que não vai ser diferente com o Janson.
Ele deu uma boa golada em sua sexta taça de vinho, voltou a olhar para algum ponto da janela e rebateu:
- Não, não vai ser diferente com ele.


Magnus Ülrich Curtis, era exatamente a mesma pessoa de muitos anos atrás, um grande egoísta que não se importa com nada e nem com ninguém que não seja ele mesmo, que teve tudo o que quis usando da boa vontade de quem estivesse ao seu lado, descartando após o uso de forma natural sem nunca ter se arrependido; Não ele nunca se arrependeu, sequer posso acreditar agora que um dia ele tenha se sentido culpado por qualquer erro cometido.


Pessoas como Urik não se sentem culpadas, pois se escondem atrás de uma autenticidade que usam como escudo por toda a vida, e quando cometem erros, ninguém esperaria o contrário... fazem da verdade escancarada sobre o caráter duvidoso, um grande motivo para errar, usam do sofrimento e do instinto maternal de uma mulher para serem perdoados, Curtis era mestre nesse quesito, se não fosse algo tão ruim e se eu não fosse sua maior vítima, o chamaria de genial.


Levei um pouco menos de quatorze anos para perceber que todas as desculpas dadas por ele foram ensaiadas com as minhas palavras, mas estive tão cega que não pude perceber... e no fim das contas, nos sentimos poderosos, não é? Quando achamos que estamos domando o indomável, ao imaginar que estamos passando a perna em alguém que conhece os vinte passos que você ainda não pensou em dar


Nos maravilhamos com a beleza de um rosto, de um corpo, nos satisfazemos com um sexo surpreendente, sofremos com as lágrimas alheias sem nem ao menos saber se são verdadeiras, nos condicionamos a amar, fantasiamos com o relacionamento perfeito e acabamos sendo vítimas de nossas próprias fantasias.
Sentada agora no que restou da minha história, extraindo tudo o que fantasiei sobre Urik, me sinto patética... pois o que sobra é a única verdade sobre tudo, não fui enganada por ele, nem por ninguém que não seja eu mesma.


Talvez, eu leve alguns anos para conseguir me recuperar do estrago, ou chore o suficiente para que o Tâmisa se transforme em oceano... independente do que irá me acontecer pelas próximas décadas, e as alternativas são infinitas, a única coisa de que tenho certeza é de que Urik Curtis não terá dificuldades para dormir esta noite.
Por nunca ter mentindo sobre o quanto ele pode ser ardiloso, ele se sente acima do bem e do mal, já sabe quem serão os culpados em sua versão da história, enquanto eu não faço a menor idéia do que está por vir.


Pela primeira vez sinto-me desapontada, por desperdiçar tanto tempo da minha vida dedicando a ele um amor, que por incrível que pareça sei que existiu, mas em níveis muito diferentes.
Eu o amei mais do que a mim ou qualquer outra coisa, e Urik me amou até o limite estabelecido por ele, até que ele tivesse de escolher entre mim e seu ego; fui tola em imaginar que um dia poderia superar o amor que ele sente por ele mesmo, ele está errado? Talvez não, suas ações foram resultado das minhas reações, ele testou até onde poderia ir e eu permiti


Compreendo agora que meu espelho esteve quebrado por todos esses anos, enquanto esperei que o reflexo de Urik trouxesse mudanças boas em mim... infelizmente isso não poderia ter dado certo, pois me anulei quando escolhi viver atrás da sua imagem, quando tudo o que tinha que fazer era aprender a me amar incondicionalmente, antes de aprender a caminhar.
Entretanto não consigo me enxergar completamente errada; se permiti, se na maioria das vezes reagi submissa foi porque acreditei que eu poderia virar o jogo, e ainda que tudo esteja acabado, ao menos posso dizer que fui até o fim.


Quando a campainha tocou senti toda a saliva da minha boca desaparecer, Urik virou o rosto em minha direção e suspirou exausto, rompendo o silêncio de quase uma hora:
- Coragem... porque a noite vai ser longa.


Então ele se levantou e seguiu em direção ao hall de entrada do apartamento, enquanto escorreguei do sofá para o chão imaginando que tipo de morte Janson tinha planejado para mim.
Ouvi claramente o clique na maçaneta e apesar de desejar ser surda, pude ouvir até mesmo o bufar impaciente de Jan:
- Como vai, Bencini? – Cumprimentou Urik, tranquilamente.
- Onde ela está, Curtis? – Questionou Janson furioso, ignorando o cumprimento.
Senti meu coração parar de bater.